Queridos avós,
sou eu, a vossa neta (quase esquecida), Inês. O motivo pelo qual eu estou a escrever esta carta é porque comecei a ir a um psicólogo. Contei-lhe sobre tudo o que me atormentava - incluindo vocês - e ele aconselhou-me a escrever-vos esta carta e tentar exprimir tudo o que me passa cá dentro. Toda a dor, todas as lágrimas que já soltei por pensar que já se tinham esquecido de mim. E não arranjo maneira melhor de exprimir isso tudo a não ser com raiva. Mas vocês são meus avós, apesar de tudo, e ainda lhes devo um bocado de respeito mesmo que vocês não me tenham ligado durante anos, nos dias mais importantes da minha vida.
Nós partilhamos a mesma dor. Não pensem que são só vocês a sentir a dor que eu sinto desde há 6 anos. Não. Todos os dias eu sinto essa dor e ainda mais aguda porque não tenho os pais do meu pai a apoiar-me. Será que vocês têm a noção do que um telefonema pode fazer, nos dias mais escuros? Não têm, porque acredito que se tivessem, todos os dias destes 6 anos, me teriam ligado. Mas não o fizeram. Era rara a vez que o faziam e por isso eu culpava-me vezes sem conta. Arrecadava com as culpas enquanto vocês eram os únicos culpados.
E agora, tenho 15 anos, e já perdi a conta às vezes que a minha mãe já me disse para vos ligar. Mas para quê? Se me ignoraram durante tantos anos, qual seria a diferença que umas pequenas e vagas palavras minhas e vossas, iria fazer? E já me perguntei o mesmo antes de escrever esta carta, porque quem é que me diz que vocês não a vão ignorar?! Mas estou a escreve-la, na mesma, porque sei que se vocês não responderem... então posso dormir descansada, pois aí saberei que a culpa nunca foi minha.
Talvez um pequeno sentimento de revolta se esteja a criar dentro de vós durante estes 6 anos. Até por saberem que a minha mãe já encontrou alguém novo. Mas a minha mãe tem todo o direito de refazer a sua vida; e eu, como sua filha e como filha do seu filho, sei admiti-lo. Mas vocês não. Mas agora pergunto: se tivesse sido ao contrário, se fosse a minha mãe que tivesse falecido, vocês não quereriam que o meu pai refizesse a sua vida? Que tentasse encontrar uma mulher que pudesse preencher todos os buracos no seu coração e que o fizesse esquecer a dor que se tinha alastrado pelo mesmo? Se a vossa resposta for afirmativa, então terão que compreender a minha mãe. Se a vossa resposta for negativa, não sei o que mais vos diga.
Durante os anos que o meu pai esteve presente, quase não havia dia que vocês não me falassem. E então, a partir do momento em que o meu pai deixou de estar presente, é raro o dia em que vocês me falam. Ou melhor, é raro o mês em que vocês me ligam. Ou se lembram de mim e do meu irmão. Da quanta falta vocês me fizeram durante os piores anos da minha vida.
E porque não disse "falta nos fizeram"? Porque o meu irmão cresceu não sabendo que tinha quaisquer outros avós a não ser os maternos. Ele não sabe quem vocês são nem que alguma vez fizeram parte de nós. O meu irmão tem agora 9 anos. Dá para acreditar? Ele não sabe quem são os seus avós paternos. Não se lembra. A única coisa que ele se lembra é das noites ruins que ele passou há uns meses. Das noites em que ele chorava com saudade do pai e das lágrimas que lhe caíam pela cara por não se lembrar da sua cara. Dos dias em que não queria ir para a escola porque não tinha passado quase tempo nenhum com o nosso pai. E o que vocês fizeram quanto a isso? Nada, porque nem sequer tinham conhecimento do acontecido porque nunca, nestes anos, quiseram saber. Ou se quiseram, não se deram ao trabalho de nos ligar.
Qual era a dificuldade de pegar no telefone e nos ligar, a perguntar se estava tudo bem? Se o tivessem feito, eu não tinha que estar a escrever isto com lágrimas nos olhos e com dor no coração. Nada disto estaria a acontecer. Muitas palavras erradas não teriam sido utilizados contra a minha mãe, e muitas acções injustas não teriam sido feitas contra nós.
Não sei se vocês vão ignorar esta carta, como fizeram connosco, mas se o fizeram só vos peço uma coisa: Guardem este pedaço de papel para que um dia, quando voltem a pegar nele, percebam a maneira como nos deixaram: a um canto, numa gaveta, guardados e a ganhar pó. Talvez nesse dia, eu já esteja licenciada e a trabalhar na área de psicologia - mais uma coisa que vocês não sabiam -, ou quem sabe já esteja noiva. A única coisa que importa, é que vocês percebam a falta que um dia me fizeram.
Aqui está o meu número de telemóvel, caso não queiram escrever e queiram ligar-me: *********. Vou ficar à espera, mesmo que por um lado não acredite que alguma vez me responderão. E se assim for, pelo menos terei na minha consciência que nos meus humildes 15 anos tive iniciativa, discernimento, orgulho e coragem de expor a minha vulnerabilidade perante quem, depois de eu ter perdido o maior pilar que alguém pode ter na vida, me ignorou como se eu fosse nada.
Adeus, beijos e abraços da vossa (in)esquecível neta,
Inês Ferreira.
A carta está escrita e depois de muitas lágrimas, só me falta colocá-la nos correios. Depois disso, posso ficar descansada... já fiz a minha parte. Agora o final cabe-lhes a eles (se leram isto até ao fim, merecem uma salva de palmas por serem tão bons seguidores).
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